Catolicismo e Protestantismo

[Parte 1]

I) Foi a Igreja católica fundada por Cristo? É necessário ser católico para se salvar? Não basta “aceitar Jesus”, obedecer a Deus e fazer o que a Bíblia manda? É necessário ser de alguma Igreja para ser de Deus?

A Igreja católica apostólica romana foi fundada por Cristo na pessoa de Pedro, Chefe dos apóstolos. Cristo é o soberano da Igreja toda, mas deu esta responsabilidade a Pedro para que ele assumisse o governo da Igreja como seu representante na Terra, pois Cristo voltaria aos céus depois de cumprir sua missão. Jesus criou a hierarquia para que ela regesse o rebanho dos eleitos e encaminhasse todas as almas para a salvação. Jesus deu a Pedro a soberania sobre toda a Igreja, para que todos fossem submissos a uma só voz, pois haverá um só rebanho e um só pastor (Jo X, 16).

Se não houvesse uma Igreja, qualquer homem se daria o direito de dizer o que bem entendesse sobre Cristo, e a dúvida e a incerteza se instauraria. Ninguém saberia quem estava dizendo a verdade, e a Bíblia poderia ser facilmente falsificada. Qualquer um se daria o direito de dizer quais os livros verdadeiramente inspirados. Não haveria certeza da verdade. Mas, na presença de um grupo sacerdotal constituído, divinamente formado e guiado pelo Espírito Santo, se ensina com toda a certeza a Verdade, se combate todos os erros e se dilata sobre o mundo a mesma e única Fé. Ninguém pode se dar ao direito de anunciar o Evangelho como Ministro de Cristo, “pois ninguém pode dar testemunho de si mesmo” (Jo V, 31). O Ministério da Igreja vem de Deus, pois é Ele quem dá o Espírito Santo e autoridade para ensinar.

Para provar que a Igreja católica foi fundada por Cristo, faremos uma análise detalhada e separada de cada fato, à luz da Fé e da razão, procurando ver o motivo de todas as verdades encerradas na Bíblia.

1) Desigualdade dos homens

O mundo moderno considera a igualdade dos homens como um bem a ser alcançado. Ninguém tolera nenhum tipo de desigualdade. Na verdade, todas as sociedades sempre foram desiguais, porque é um fator natural e consequente da organização dos homens. Toda a sociedade será composta dos que trabalham, dos que lutam e defende o patrimônio adquirido, e pelos que governam, para que a razão fique acima da força física dos que lutam. Até mesmo na Rússia comunista era assim, pois havia o proletariado, o exército, e o partido comunista enquanto força governante. Até mesmo, portanto, no comunismo, havia desigualdade.

E isso acontece porque a desigualdade é um bem, já que permite uma multiplicidade de atividades, dons e exercícios. Num mundo desigual, a diferença entre os homens permite a existência de ordem. Diz a Escritura que Deus criou tudo com peso, número e medida. Isto quer dizer que Deus criou tudo com proporção, com diferenças, o que permite a ordem.

Quando o Gênesis narra a criação do mundo, completava dizendo: “E viu Deus que era bom”. Todas as coisas que Deus criou, viu Deus que era bom. Mas, ao analisar o conjunto da criação, diz a Escritura: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom”. (Gn I, 31). Ora, a soma de partes de mesma natureza só pode dar o todo de natureza igual; mas no dizer da Bíblia, a soma de cada coisa boa gerou um resultado muito bom.

Santo Tomás de Aquino, ao explicar essa passagem, assim diz: Deus, ao contemplar cada coisa, viu a bondade de cada ser unicamente. Deus viu a bondade de cada ser isoladamente. Mas, ao analisar o conjunto, ele viu que era muito bom porque, junto a todos os seres estava a ordem que havia entre eles. Não era um conjunto caótico, sem harmonia. Era uma criação perfeita e ordenada. Ao analisar o conjunto, viu Deus também a hierarquia que havia entre os seres, e por isso a criação não só “boa”, mas muito boa.

Todas as coisas são desiguais para que haja ordem. Num piano, as teclas produzem sons diferentes, para que haja música. Se todas as teclas fossem iguais, não haveria harmonia; somente o repetir monótono de um mesmo som. Nos elementos da natureza, é possível organizar até mesmo uma “Tabela Periódica”, que dispõe todos os elementos ordenadamente, demonstrando que o universo é formado da desigualdade. Se escrevêssemos o nome de uma pessoa repetidamente, não haveria como pôr em ordem alfabética, já que todos os nomes são iguais. Só haveria ordem se fossem diferentes.

É a desigualdade que produz beleza, ordem e harmonia do universo. Deus não quer os homens iguais; mas os quer semelhantes. Deus não criou os homens robóticos, para que todos fossem absolutamente iguais; mas os criou diferentes, para que cada um fosse aquilo que deveria ser.

No entanto, a desigualdade produzida pelo capitalismo selvagem não reflete a ordem de Deus. O capitalismo faz com que pouquíssimos tenham uma vida confortável enquanto uma multidão passa fome e vive na miséria. Toda a desigualdade deve ser proporcional; deve ser feita como uma escada. Ora, não se sobe numa escada que tenha os degraus muito longe uns dos outros, porque é desproporcional. A desigualdade econômica do capitalismo é fruto dos seus erros, e não deve ser aceitada. Para um Bem, existem dois erros opostos: o excesso e a falta. O excesso de desigualdade produz um vão na sociedade; mas a igualdade absoluta deixa atrofiada a economia e tende à autodestruição.

Na Escritura, vemos muitos exemplos de desigualdade. Em primeiro lugar, na criação de Deus. Os seres são classificados ordenadamente em minerais, vegetais, animais e o homem, coroando a criação como ser mais perfeito—abaixo dos anjos. Na própria pessoa humana, existe hierarquia: a mulher foi feita do homem, e portanto, é submissa a ele.

Dentre os próprios homens existe desigualdade. Os homens não são iguais nem em virtude, nem em mérito. Portanto, alguns merecem mais dons do que os outros; merecem mais honras do que os outros. A uns é dado fazer cidades, e a outros é dado governá-las. Noé, por exemplo, foi escolhido por Deus para construir a arca que o salvaria e à sua família. Ele era o mais fiel dos homens de sua época. A Abraão foi prometido o povo que seria escolhido de Deus. De sua descendência viria a salvação. A Maria foi dada a graça de conceber a Cristo, e a mais ninguém. De uma Virgem humilde e fiel a Deus saiu a salvação do mundo. Por isso dizia um canto gregoriano:

Virgo Dei Genitrix,
Quem totus orbis non capit
In tua se clausit
Viscera factus homo

[Virgem Mãe de Deus, o Deus que nem o mundo todo contém, em ti ele se encerrou, e ao encarnar-se, fez-se homem].

E com Jesus, uma multidão se ajuntou. Dessa multidão, apenas 72 foram considerados discípulos. Os apóstolos, porém, foram só 12. E desses 12, um era o “discípulo amado”. Assim como Jacó que, ao ter 12 filhos, amava mais a José.

E se Deus criou o mundo com número, peso e medida, é porque o mundo é feito de matéria, e a matéria tem como característica a quantidade. É pela quantidade de algum atributo que se diferencia os seres também. O peso, a altura, a coloração, a sonoridade, a largura, etc., tudo isto também serve para tornar os seres desiguais.

E para que não haja nehuma dúvida quanto à nossa argumentação, citaremos textualmente a Bíblia: “porque ele [Deus] criou tanto o pequeno como o grande” (Sab VI, 7); “Bem e mal, vida e morte, pobreza e riqueza, tudo provém do Senhor”. (Eclo XI, 14); “Rico e pobre se encontram, foi Deus quem fez os dois” (Pr XXII, 2); e ao contar uma parábola, Cristo assim narra “[O Reino dos céus] acontecerá como um homem que ia viajar para o estrangeiro. Chamando seus empregados, entregou seus bens a eles. A um deu cinco talentos, a outros dois, e um ao terceiro: a cada um de acordo com a própria capacidade” (Mt XV, 14-15); “Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos” (I Cor XII, 4-6); “De fato, o corpo é um só, mas tem muitos membros; e no entanto, apesar de serem muitos, todos os membros do corpo formam um só corpo. (...) Deus é quem dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se o conjunto fosse um só membro, onde estaria o corpo? Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo” (I Cor XII, 12; 18-20); “E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo” (Ef III, 17).

Ora, se Deus criou tudo com desigualdade, gerando harmonia, ordem e beleza, seria então natural pensarmos que, no governo das coisas de Deus existirão aqueles que governam e aqueles que são governados, os que ensinam e os que são ensinados. Existiria um corpo docente, e um discente. Fica então óbvia a existência da hierarquia da Igreja.

Se na ordem natural das coisas existe hierarquia para as mais baixas funções, por que para as coisas de Deus, que são mais nobres, não haveria hierarquia? Uma empresa ou fábrica só funciona bem se cada um ocupar a sua função, da mais baixa até a mais alta, para que gere ordem e produza. Nas coisas de Deus também deve haver hierarquia: os que governam e os que são governados, os que ensinam e os que são ensinados. Nem todos podem se aproximar de Deus da mesma forma. Deve haver uma hierarquia, para que todos possam se aproximar de Deus seguramente, ouvindo o ensinamento da hierarquia, e aceitando o que se ordena do alto para o mais baixo.

Do mesmo modo, Deus escolheu alguns—e não todos—para serem seus profetas, apóstolos, discípulos, missionários, pastores, etc. Escolheu a Abraão—e só a Abraão—para que da descendência dele saíssem o Messias. Abraão era maior que os demais homens, porque Deus fez dele um escolhido. É da hierarquia que surge a ordem de Deus. “Ora, vocês são o Corpo de Cristo e são membros dele, cada um no seu lugar. Aquele que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres...A seguir vem o dos dos milagres e das curas, da assistência, da direção e o dom de falar em línguas. Por acaso, são todos apóstolos? Todos profetas? Todos mestres? Todos realizam milagres? Têm todos o dom de curar? Todos falam línguas? Aspirem os dons mais altos” (I Cor XII, 27-31). Duas coisas importantes podem ser percebidas neste trecho: em primeiro lugar, Paulo classifica os dons da hierarquia como mais elevados, já que, depois de descrever os dons do ensino da Palavra, começa a descrever os dons de cura. Em segundo lugar, ele diz “aspirem os dons mais altos”, o que significa que nem todos os dons são iguais, mas existem aqueles que são melhores do que os outros. Mais uma prova da hierarquia na Igreja.

Se cada um desse a si mesmo o direito de anunciar o Evangelho, qual Evangelho deveria ser ouvido? A possibilidade de se falsificar a Palavra de Deus seria muito grande. Cada um escolheria, a seu bel-prazer, quais livros eram inspirados, e se multiplicariam o número de Bíblias. Ninguém saberia qual Evangelho dever-se-ia ouvir. Cada um pregaria a Palavra de Deus conforme a sua vontade, já que Deus não deixou nenhum corpo docente para ensinar um ensino infalível. Se não houvesse uma instituição criada por Cristo, qualquer homem poderia dizer ser inspirado e autorizado por Deus, e muitos seriam os falsos profetas. É pela hierarquia da Igreja que temos a segurança de que a Verdade anunciada não é falsa, pois se Cristo criou a Igreja, Ele não vai permitir que a mentira seja por ela ensinada. O ensinamento da Igreja seria infalível—apesar dos homens da Igreja poderem falhar, já que são pecadores—, e todos teriam a garantia e a certeza da Verdade. Foi por isso que Cristo criou a hierarquia: para que ninguém fizesse juízo próprio das coisas de Deus, para que a Verdade fosse anunciada e crida com toda a certeza e para que ficasse claro de que o Evangelho anunciado procede de Deus, e não do homem: “Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra é terreno e fala da terra; quem veio do céu esta acima de todos”. (Lc XXIV, 49). Ora, a não ser Cristo, todos os homens são da terra e falam da terra; portanto, nenhum pode a si mesmo dar o direito de ser Ministro da Igreja de Cristo. Somente aos apóstolos Cristo deu esta autoridade e aos seus 72 discípulos, pois Cristo veio do alto, dando testemunho do seu Pai, mas transmitiu aos seus escolhidos a autoridade e a capacidade de se anunciar o Evangelho, pois “àqueles a quem muito for dado, muito lhes será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc XII, 48)


2) A autoridade vem de Cristo

Mas se para ensinar o Evangelho deve-se pertencer a um Corpo docente, isto é, a uma hierarquia de homens que se dediquem ao Evangelho, bastaria que cada um que tivesse essa vocação passasse a servir à Igreja de Deus por livre e espontânea vontade.

Na verdade, não basta a boa vontade; é necessário que se receba este dom de Cristo. O dom é um privilégio transmitido por Deus, que não pode ser ensinado e nem adquirido com a experiência. O dom é doado por Deus exclusivamente. Ninguém tem o dom por si mesmo. Este dom não cai do céu, mas é dado por Deus.

A hierarquia na Igreja é uma realidade. Um corpo de homens que ensinam a Fé infalível e que receberam do Espírito Santo o direito de anunciarem legitimamente o Evangelho. Isto não impede que cada um anuncie o Evangelho em particular; mas somente a hierarquia tem isto como direito e deve ser ouvida em primeira instância. Mesmo que os homens da Igreja falhem, o ensinamento é infalível. Para fazermos uma comparação, usaremos da profissão policial. A Lei é para todos e todos devem cumpri-la e ensiná-la aos mais jovens. Porém, somente os policiais têm isto como autoridade: o direito de defender a Lei e de ensiná-la legitimamente. Isto não impede que um cidadão comum perceba quando algo é crime. Mas somente o policial terá o direito de prender o sujeito que cometeu um crime. O fato de haver Lei não faz da profissão policial desnecessária. Bem pelo contrário: se existe Lei, é absolutamente necessário que haja um corpo que faça essa Lei funcionar corretamente, evitando abusos e adulterações. Mas nem todos os policiais são honestos, e alguns caem no mesmo erro que deveriam combater. O fato de haver algum policial criminoso não faz da Lei criminosa ou o corpo policial todo malfeitor. Pelo contrário: a profissão policial continua existindo e continua sendo necessária, mesmo que haja um defeito em um de seus membros. Se há Lei, é preciso que algum grupo seja responsável por ela. E se na Lei dos homens existe um corpo constituído para executá-la e instaurar a ordem, assim também na Lei de Deus, a mais alta de todas as leis, também deve ter um corpo divinamente fundado para guiar os homens na verdade: o clero.

Do mesmo modo, todos nós podemos anunciar o Evangelho, mas isto cabe em primeira instância ao clero. Mesmo que haja um membro do clero que aceita um erro, isto não faz da Lei de Deus errada, e nem elimina a necessidade de se ter uma hierarquia que ensine o certo. Pelo contrário: mais necessária é a hierarquia quando um de seus membros comete erro, pois só a hierarquia pode puni-lo correta e justamente.

Assim como nenhum civil pode prender, em nome da Lei, um criminoso, julgando por si mesmo estar executando a Lei, do mesmo modo ninguém pode se dar ao direito de anunciar o Evangelho de Cristo, acreditando estar fazendo um bem, o que nem sempre será. Todos podem anunciar o Evangelho, mas somente o clero o faz enquanto ministério, cargo, tendo o direito divino de fazê-lo. Os fiéis comuns anunciam o Evangelho por amor a Deus, mas não têm a autoridade divina. E é esta autoridade que garante a execução da Lei de Deus, pois há um corpo—o clero—que o faz.

Mesmo um homem querendo servir a Deus, ele não poderá fazê-lo por conta própria. É preciso receber da autoridade de Cristo, que é um dom, algo que não se ensina e nem se aprende por experiência. Jesus deu a sua autoridade aos apóstolos, e os apóstolos a transmitiram a outros, e essa sucessão ininterrupta continua até hoje, pois Deus guia a Igreja e não permite que ela acabe, já que a criou para anunciar a Verdade. A autoridade que Cristo conferiu aos apóstolos os apóstolos conferiram a outros. E até hoje podemos dizer que os Padres e Bispos da Igreja são ordenados conforme a autoridade que Cristo conferiu primeiramente.

Mas não basta apenas provar com argumentos racionais. Por mais justos que os argumentos sejam, devemos demonstrar na Bíblia a sua veracidade, para que não sobre nenhuma dúvida e para que se fique mais claro ainda. A razão do homem pode falhar, mas o juízo de Deus, não.

Cristo recebeu toda a autoridade do Pai para expulsar demônios, perdoar os pecados e anunciar a Boa Nova. Esta mesma autoridade ele conferiu aos apóstolos: “Não havendo sábia direção cai o povo, mas na multidão de conselheiros há segurança” (Pr XI, 14); “Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt X, 1); “Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios, de graça recebestes, de graça dai” (Mt X, 8); “quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt X, 40); “Em verdade, em verdade vos digo: Quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe” (Jo XIII, 20); “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rom XIII, 1); “Entretanto vos escrevi em parte mais ousadamente, como para vos trazer isto de novo à memória, por causa da graça que me foi outorgada por Deus, para que eu seja ministro de Cristo Jesus entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus (...)” (Rom XV, 15-16); “Por esta causa eu, Paulo, o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, gentios, se é que tendes ouvido a respeito da dispensação da graça de Deus a mim confiada para vós outros” (Ef III, 1-2).

Quando Jesus fez milagres, os fariseus perguntaram: “com que autoridade fazes estas cousas? Ou quem te deu tal autoridade para as fazeres?” (Mc XI, 28). Ora, nenhuma autoridade parte de si mesmo, mas de outro que a outorga, como o próprio Paulo disse em uma passagem já mencionada. Portanto, esta autoridade para cuidar das coisas de Deus vem de Cristo, e ele transmitiu aos apóstolos. A ninguém é dado o direito de se considerar apóstolo, pastor ou mestre da Palavra de Deus por conta própria. Deve ter recebido, em primeiro lugar, o dom que Cristo transmitiu aos apóstolos. Se esse dom foi dado pessoalmente aos apóstolos, estes, por sua vez, têm a autoridade divinamente recebida para transmiti-la a seus sucessores. Foram os apóstolos que ordenaram outros, ininterruptamente. É por meio das mãos consagradas dos apóstolos que Cristo mantém vivo o magistério da sua Igreja. Ninguém pode dizer que recebeu este dom de Deus diretamente, sem a mediação dos apóstolos, pois é muito fácil mentir e enganar neste aspecto. Se assim fosse, qualquer um poderia se dizer enviado direto de Deus, e os falsos profetas se multiplicariam. Somente a garantia de ter recebido o dom de Deus pelos apóstolos nos livra de cair em engano. Se cada um que quisesse ser apóstolo o fosse por conta própria, só saberíamos se alguém está falando a verdade fazendo juízo sobre isso. Cairíamos então no juízo pessoal: cada pessoa aceitaria um ensinamento quando lhe era mais conveniente. Ouviriam um “apóstolo” ao invés de outro quando lhe fosse pertinente. Mas, havendo uma Igreja divinamente fundada e uma hierarquia—que nos tira todas as dúvidas do ensino da verdade—, a todos é dado conhecer o ensino de Deus. Tendo a segurança de que o Espírito Santo guia a Igreja, jamais seríamos enganados por falsos profetas, que geralmente se afastam da Igreja quando querem ensinar em voz alta as suas mentiras.

Para servir o ministério de Cristo, o homem deve procurar ser semelhante a Ele em tudo. Deve imitar todas as virtudes de Cristo. Não que o homem queira ser Cristo, o que é impossível a todos. Mas sim, quer ter a Cristo, e só poderá ter Cristo imitando a sua Pessoa. Imita-se o bom exemplo de Cristo, pois ele disse “aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. E é por isso que Jesus disse: “Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” (Lc XIV, 33). Jesus quer que aqueles que o seguem mais de perto estejam desimpedidos e totalmente entregues à sua causa. Por isso a palavra “clero” quer dizer “separado”: os que se separam do povo para servir ao Altar de Deus. É pelos apóstolos que a Verdade é ensinada ordinariamente, “asseguro-vos que, se eles [os apóstolos] se calarem, as próprias pedras clamarão” (Lc XIX, 40); por isso disseram os mesmos apóstolos: “pois nós não podemos deixar de falar das cousas que vimos e ouvimos” (Atos IV, 20). Veja a importância do ministério dos apóstolos. Se eles se calarem, as pedras falarão. Se o meio que Deus escolheu para que a Verdade fosse anunciada falhar, Deus vai prover um meio extraordinário, fazendo um milagre. Se a Igreja se calar, até as pedras falarão. Não falará qualquer um. Serão as pedras que falarão. Aí vemos a fundamental importância do meio que Jesus escolheu para ensinar seu povo.

Os apóstolos foram investidos de autoridade para falar das coisas do Alto. Cristo tinha autoridade sobre tudo na terra, mas ao subir aos céus, deixou o governo das suas ovelhas aos apóstolos, para que as ovelhas não ficassem sem ver o seu pastor. Quando uma autoridade guia uma ovelha para o bom caminho, é Cristo quem guia naquela pessoa.

Assim também disse Cristo: “ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar os pecados” (Mt IX, 6). Essa mesma autoridade ele transmitiu aos apóstolos: “Toda a autoridade foi dada a mim no céu e sobre a terra. Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt XVIII, 18-20). Cristo não disse que tinha autoridade só por dizer. Se o fez, foi para que os apóstolos soubessem de que estavam recebendo autoridade de Cristo porque o próprio Cristo tinha autoridade. Por isso está escrito: “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E havendo dito isto, soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes o pecado, são-lhes perdoados, se lhes retiverdes, são retidos” (Jo XX, 21-23).

Cristo tinha na terra poder para perdoar os pecados. Mas Cristo voltou aos céus, e deu este poder aos apóstolos. Se os apóstolos perdoarem os pecados dos outros, eles lhes serão perdoados; se não lhes perdoarem, eles não lhes serão perdoados. O que Cristo fazia na terra deu autoridade para que os apóstolos também o fizessem.

Ademais, ele disse: “eis que eu estarei com vocês, todos os dias, até o fim do mundo”. Ora, os apóstolos já morreram, isto é evidente. Com quem Cristo estaria, então, se os apóstolos já morreram? Só pode ser com os sucessores dos apóstolos. A mesma autoridade que ele confiou aos apóstolos, estes confiaram a outros. A sucessão apostólica é ininterrupta, e por isso Cristo pôde dizer que estaria “com eles”, pois está até hoje guiando os seus servos.

3) Sucessão apostólica

Se na natureza e em toda a ordem natural existe uma hierarquia de perfeições, cada ser sendo mais perfeito e mais nobre do que o outro, e isto nos servindo como um meio para elevar a nossa inteligência Àquele que é perfeitíssimo e criador de toda a perfeição, também é evidente que nas coisas de Deus, que são mais altas, também haja uma hierarquia, uma desigualdade que nos conduza até o juízo de Deus. Essa hierarquia é o clero. Para ser do clero não basta querer. Deve-se receber o dom que Cristo transmitiu aos apóstolos. Os apóstolos receberam toda a autoridade de Cristo, até mesmo o poder para perdoar os pecados (cf. Jo XX, 21). Os apóstolos tinham autoridade por causa do próprio Cristo. A Igreja não morreria naquela geração. Com a morte do último apóstolo não morreria a Igreja; pelo contrário, a autoridade de Cristo permaneceria na sucessão apostólica: a transmissão da função ministerial por meio da imposição de mãos e pela descida do Espírito Santo no candidato.

Na Igreja dos primeiros séculos, a hierarquia assim estava dividida: na base da pirâmide estava o povo, os fiéis em geral. Depois, estava o “presbítero” ou ancião, que cuidava de um grupo menor, e era escolhido pelos próprios apóstolos. Acima do presbíteros estava o “Bispo”, que quer dizer “supervisor”, pois chefia um grupo maior. O Chefe de todos os Bispos era o Pastor dos Pastores, o representante de Cristo na terra, que hoje chamamos de Papa ou Sumo Pontífice—que quer dizer “Sumo sacerdote”, a ponte mais alta que nos liga a Cristo—, o Chefe visível da Igreja, pois mesmo Jesus sendo o supremo Pastor da Igreja, Ele subiu as céus ao fim de sua missão. Deixou-nos, então, uma garantia de que continuaria a nos guiar: a Igreja, chefiada por uma cabeça visível, o Papa, que fala em nome da cabeça invisível da Igreja, o Cristo.

Vendo a necessidade de mais pessoas para reger a Igreja de Deus, e sabendo que eles não poderiam estar em todos os lugares, os apóstolos criaram o diaconato: escolheram homens idôneos para servirem a Igreja em funções de menor importância.

Agora recorreremos novamente à Sagrada Escritura para provar não só os graus da hierarquia—diaconato, presbiterado e episcopado—, mas também a sucessão apostólica.

A Igreja católica foi fundada por Cristo para anunciar a Verdade e converter todos os povos numa só Fé: a de que Cristo é o Senhor. Ao interrogar os discípulos sobre o que pensavam acerca dEle, Pedro respondeu que Cristo era o Messias, o Filho de Deus Vivo. Jesus, ouvindo a confissão petrina, assim diz: “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu lhe digo: tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. Eu te darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu” (Mt XVI, 17-19). Esta passagem da Bíblia é importantíssima, pois ela nos revela muitas verdades.

Em primeiro lugar, Cristo fundou sua Igreja em Pedro, escolheu a Pedro para ser seu Chefe enquanto Ele não estivesse na terra. E quando Pedro morre outro Bispo o sucede. Em segundo lugar, a Igreja de Cristo é invencível, pois as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. Nenhum abalo humano fará com que a construção de Cristo seja abalada, pois “os céus e a terra desaparecerão, mas a minha palavra não desaparecerá” (Mt XXIV, 35). Em terceiro lugar, é dado a Pedro—e a mais ninguém—as Chaves do Céu. “Chaves” está no plural. Estas Chaves são a plenitude de jurisdição temporal e espiritual: o Papa, o Chefe da Igreja, tem a plenitude do governo espiritual e temporal. O governo temporal é o governo do mundo, mas esta Chave geralmente é conferida a algum Rei, Imperador ou Príncipe: o Papa dá a algum homem o direito de governar. Disse Jesus a Pilatos: “Você não teria nenhuma autoridade sobre mim se ela não lhe fosse dada por Deus” (Jo XIX, 11). Até mesmo a autoridade dos príncipes vem de Deus, para dizer que Deus é o dominador de tudo, e nem mesmo o governo das coisas materiais escapa desta fonte que é Deus. Por isso Pedro recebeu as Chaves, porque ele possuía a plenitude do governo espiritual e temporal. Em quarto lugar, tudo o que Pedro liga na terra, Cristo liga no céu; tudo o que ele desliga na terra, Cristo desliga no céu. Isso quer dizer que quando o Papa ensina, usando da autoridade que lhe foi dada, esse ensino é infalível. Não confundamos infabilidade com impecabilidade. Os protestantes—maliciosamente—dizem que os católicos consideram o Papa como impecável. O Papa pode pecar, pois também possui tentações, como qualquer homem nascido de Adão. Porém, quando usa da autoridade que lhe foi dada, não pode errar no ensino, pois estaríamos afirmando que Deus permite que o seu representante minta ou erre. Tudo o que Pedro liga na terra—ensina—é aceito no Céu. E como no Céu não entra erro, o ensino de Pedro só pode ser infalível. E quando Pedro desliga, significa que é uma correção. Todo ensino afirma uma verdade e nega a mentira correspondente. Ao se afirmar que Cristo é Deus, afirma-se a divindade do Filho e nega-se toda a afirmativa contrária. O que Pedro “desliga” significa as condenações que a Igreja profere às mais diversas heresias.

Algumas seitas protestantes procuram dizer que este texto da Bíblia não está se referindo à fundação da Igreja de Cristo, usando de vários argumentos de fácil refutação.

Em primeiro lugar, dizem que, ao se referir a uma “pedra” Cristo está falando de si mesmo, pois Ele é a pedra angular que os pedreiros rejeitaram. Segundo a interpretação protestante, Cristo teria feito uma comparação. Pedro seria uma “pedrinha” (segundo a língua grega), e Cristo estaria afirmando que Ele é a Pedra, sobre a qual Pedro se firma. É como se Jesus dissesse: “Você é uma pedrinha que se firma em mim”. Seria quase uma “brincadeira” que Cristo fez com o seu apóstolo escolhido para chefiar a Igreja.

Por mais que o Evangelho tenha sido escrito em grego, a língua que Jesus falava era o aramaico, e em aramaico Pedro quer dizer “Cefas”. E é a Cefas que o Evangelho se refere: “Então André apresentou Simão a Jesus. Jesus olhou bem para Simão e disse: 'Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)” (Jo I, 42).

O que os protestantes não conseguem entender é a diferença entre Cristo como Pedra angular e Pedro como Pedra sobre a qual Cristo firmou a Igreja. Se Jesus é a “pedra que os construtores rejeitaram”, os protestantes logo afirmam que não há nenhuma outra pedra a não ser Cristo. Cristo seria a única pedra. Mas Cristo também é o sol da Justiça (cf. Ml III, 20), e disse que os justos brilharão como o sol (cf. Mt XIII, 43). Dois sóis? Sim: um é reflexo do outro. Cristo é o sol da Justiça, e os que vivem na Justiça possuem o brilho de Cristo, se tornando semelhante ao sol. Cristo disse que era luz do mundo (cf. Jo VIII, 12); mas disse aos apóstolos que eles eram a luz do mundo (cf. Mt V, 14). A luz dos apóstolos é reflexo da única luz que é Cristo. Disse Jesus que só Deus é bom (cf. Mt XIX, 17); mas depois disse que o sal é bom (cf. Mc IX, 50). Deus é bom em absoluto; nenhuma bondade supera a de Deus. Mas as coisas do mundo possuem bondade relativa, isto é, receberam bondade de Deus em graus diferentes.

Cristo é pedra. Mas Pedro também. O fato de Cristo ser pedra não torna desnecessária a presença de Pedro. Pelo contrário: a pedra de Pedro confirma que Cristo é pedra, pois ninguém pode dar testemunho de si mesmo. Pedro não poderia dar a si mesmo o direito de “fundar” uma Igreja. Mas, se Cristo é Deus, entregou a Pedro as Chaves do Céu e a Chefia da Igreja na terra.

O segundo—e não menos infundado—argumento é que Cristo confiou a Igreja a Pedro, mas logo depois Cristo chama Pedro de satanás (cf. Mt XVI, 23), assim também como Pedro negou Cristo três vezes (cf. Mt XXVII, 75). Seria como uma tentativa frustrada de Jesus em fundar a Igreja, já que o seu Chefe traiu o Mestre.

Ora, Cristo veio para a remissão dos pecados. Todos os pecados que cometemos e nos arrependemos são perdoados por Deus. Se Pedro pensou conforme satanás e negou o mestre por três vezes, também chorou amargamente por isto (cf. Mt XXVII, 75).

Quando Cristo ressuscitou, encontrou os discípulos e perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros? Pedro respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo. Jesus disse: Cuide dos meus cordeiros. Jesus perguntou de novo a Pedro: Simão, filho de João, você me ama? Pedro respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo. Jesus disse: tome conta das minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus perguntou a Pedro: Simão, filho de João, você me ama? Então Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Disse a Jesus: Senhor, tu conheces tudo, e sabes que eu te amo. Jesus disse: Cuide das minhas ovelhas”. (Jo XXI,15-17).

Foi a Pedro—e somente a Pedro—que Cristo disse: “apascenta as minhas ovelhas”. Ora, nem Cristo e nem Pedro possuíam rebanhos. Cristo não tinha nem aonde dormir. As ovelhas são os filhos da Igreja, a qual Pedro chefia em nome de Cristo.

Quando Pedro confessou que Cristo era o Messias, Cristo disse: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedro edificarei a minha Igreja”. O verbo está no futuro—edificarei. Mas, depois de ressuscitado, Cristo disse por três vezes a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas”, com o verbo no presente—apascenta. Ora, por que esta diferença?

Quando Cristo estava a cumprir sua missão na terra, era Ele o Chefe da Igreja toda, guiando as ovelhas na salvação. Mas depois de consumar seu ministério, morrendo na Cruz, Cristo já estava pronto para voltar aos céus, por isso deixou o seu cajado de Pastor a Pedro, para que, a partir daquele momento ele chefiasse toda a Igreja: “Simão, Simão! Olhe que Satanás pediu permissão para peneirar vocês como trigo. Eu, porém, rezei por vocês. E você [Pedro], quando tiver voltado para mim, confirma teus irmãos” (Lc XXII, 31-32).

Nenhum argumento protestante consegue nos desviar do real sentido da afirmação de Cristo, pois mais de uma vez fica claro que Cristo deu a Pedro a Chefia da Igreja toda. Cristo criou a Igreja para que os homens tivessem certeza da salvação e dos meios de se chegar até ela. Se no meio do povo escolhido, durante o Antigo Testamento, haviam os profetas, também no Novo Testamento existem os profetas da Verdade, aqueles que anunciam o Verbo de Deus a todo o mundo. Deus não deixa seu povo ficar só. Por isso deixou na Igreja a certeza de que Cristo caminha com seus filhos.

E para concluir o subtítulo, transcrevemos aqui alguns textos bíblicos que demonstram a transmissão pelos apóstolos do ministério de Cristo. Jesus deu aos seus apóstolos o ministério da Boa Nova, e estes transmitiram a outros homens, chegando ao Papa e aos Bispos até os dias de hoje seguramente.

Nenhum homem pode começar um ministério próprio. Somente de Cristo vem a graça, o poder e a autoridade. Nem mesmo a João Batista foi dado a autoridade para batizar, pois o batismo verdadeiro vem de Cristo. Somente alguém que recebeu a graça de Cristo pode batizar. E se João não recebeu o poder ministerial, o batismo dele não tem valor eterno, apenas servindo para avivar nos homens o perdão e o arrependimento: “E foram ter com João [os seus discípulos] e lhe disseram: Mestre, aquele que estava contigo além do Jordão do qual tens dado testemunho, está batizando, e todos lhe saem ao encontro. Respondeu João: O homem não pode receber cousa alguma se do céu não lhe for dada” (Jo III, 26-27). Aqui João Batista confirma o Batismo de Jesus como sendo o único e verdadeiro. Pois é Cristo quem tem autoridade para batizar, e não João. João batizava em sinal de arrependimento, mas o seu batismo não tinha valor para a salvação. “Perguntou-lhes [Paulo]: Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes? Ao que lhe responderam: Pelo contrário, nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo. Então Paulo perguntou: Em que, pois, fostes batizados? No batismo de João. Disse-lhes Paulo: João realizou batismo de arrependimento, dizendo ao povo que crescem naquele que vinha depois dele, a saber, em Jesus. Eles, tendo ouvido isto, foram batizados em o nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo (...)” (Atos XIX, 2-6).

O batismo de João não tinha valor para a salvação, por isso os discípulos de Éfeso tiveram que ser batizados novamente. Assim também é com aqueles que fabricam, por conta própria, ministérios e igrejas. Somente aquilo que vem de Deus deve ser aceito (Jo III, 27). A ninguém se dá o direito de fundar igrejas ou congregações. É de Cristo que vem a autoridade, e esta autoridade é trasmitida pelos apóstolos. Por isso Paulo batizou, e também impôs as mãos para que os discípulos de Éfeso recebessem o Espírito Santo. Os discípulos de Éfeso já conheciam a Verdade, pois foram batizados no batismo de João, e João anunciava o Messias. Mas nem mesmo assim puderam fundar igrejas e sair anunciando o Evangelho por conta própria. O Batismo e a Crisma deles veio de Paulo.

Paulo não foi apóstolo durante o ministério de Jesus, mas foi ordenado Bispo depois. Quando ele teve a visão, assim lhe sucedeu: “Então perguntei: Que farei, Senhor? E o Senhor me disse: Levanta-te, entra em Damasco, pois ali te dirão acerca de tudo o que te é ordenado fazer” (Atos XVII, 10). Cristo criou a hierarquia para que os ministros de Deus anunciassem a Verdade; portanto, quando Cristo apareceu a Paulo, Ele não quis desprezar o que Ele mesmo criara. Por isso mandou Paulo ir falar com os discípulos.

Em diversas partes, a Bíblia menciona o anúncio do Evangelho como um cargo, que foi dado por Cristo e transmitido aos apóstolos ininterruptamente até os dias de hoje. “Ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João; os quais, descendo para lá, oraram por ele para que recebessem o Espírito Santo; porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles, mas somente haviam sido batizados em o nome do Senhor Jesus. Então lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo. Vendo, porém, Simão [o mago] que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos era concedido o Espírito Santo, ofereceu-lhes dinheiro (...)” (Atos VIII, 14-18). Esta passagem também é de fundamental importância. Se os discípulos de Samaria já haviam sido batizados no nome de Jesus, por que eles mesmos não oraram para receberem o Espírito Santo? Se cada um pode receber o dom de Deus por conta própria, por que eles tiveram que receber a imposição de mãos dos apóstolos? O que os apóstolos tinham de especial que os discípulos da Samaria não podiam fazer eles também? E, na ocasião, um mago, chamado Simão, quis comprar o dom do Espírito Santo, e Pedro respondeu que o dom de Deus não se compra (cf. Atos VIII, 20). Se o recebimento do Espírito Santo é dom, então não pode ser aprendido de forma alguma, somente dado por Deus. E o meio que Deus escolheu para transmitir o Espírito aos seus filhos é por meio do ministério de Cristo, na pessoa dos apóstolos.

Quanto aos presbíteros, assim está escrito: “E, promovendo-lhes em cada igreja a eleição de presbítero, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (Atos XIV, 23). Quanto aos Bispos, disse Paulo aos presbíteros de Éfeso: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (Atos XX, 28). Paulo, ao partir para Jerusalém, fez dos presbíteros bispos, para que eles ministrassem e ordenassem outros presbíteros. Sabendo que jamais voltaria àquela região, Paulo transmitiu seu ministério a presbíteros. Aos presbíteros deu a plenitude da ordem, a plenitude do ministério de Cristo: o episcopado, elevando de grau o ministério deles.

E ainda: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com o óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecado, ser-lhes-ão perdoados” (Tg V, 14-15). Aos presbíteros é dado o poder de orar pela cura dos enfermos, do mesmo modo que Cristo deu aos seus discípulos o poder de curar os doentes. E se Cristo deu o poder aos discípulos, os presbíteros só podem ser os que receberam esta mesma autoridade. Outra grande prova da existência da Igreja e da sucessão apostólica.

Em outras passagens se confirma tudo isso: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus (...) Por intermédio de [Cristo] viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre os gentios”. (Rom I, 1; 5). E se Paulo é ministro de Cristo, tem autoridade e poder para transmitir o Espírito Santo aos batizados: “Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados” (Rom I, 11). “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e dispenseiros dos mistérios de Deus” (I Cor IV, 1); “[Rezem para que eu anuncie o Evangelho] Pelo qual sou embaixador” (Ef VI, 20); “Porque ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais, pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus” (I Cor V, 15); “Agora me regozijo nos meus sofrimentos (...), a favor do seu corpo [de Cristo], que é a igreja; da qual me tornei ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiado a vosso favor para dar pleno cumprimento à palavra de Deus; o ministério que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos; aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste ministério entre os gentios (...), o qual anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria (...)” (Cl I, 24-28). Paulo, além de confirmar várias vezes que é ministro de Cristo, diz que foi escolhido para anunciar, advertir e ensinar, tarefas esta de um magistério. E se existe um magistério, existe um corpo hierárquico que guia o rebanho. “Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio” (II Cor V, 18-20); “E nós, na qualidade de cooperantes com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus” (II Cor VI,1). “E, quando conhecerem a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios e eles para a circuncisão” (Gl II, 9). Pedro, Tiago e João eram apóstolos; portanto, Bispos. Paulo foi chamado por Cristo e recebeu a graça de pertencer também ao apostolado. Se para receber o ministério da Palavra basta ter conhecido a Cristo, Paulo não teria atribuído aos três apóstolos a graça do episcopado, já que forem estes que lhe ordenaram apóstolo. Nem mesmo ao mais consciente cristão é dado o poder de começar um ministério, pois o dom vem de Cristo por meio da Igreja. “Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Ef II, 19-20). O edifício dos apóstolos e profetas é a Igreja, pois na Igreja se ensina toda a verdade anunciada aos antigos e aos apóstolos. A Igreja é o “Depósito da Fé”, pois nela Cristo confia o ensino da Verdade. Por mais que os homens da Igreja falhem, a Verdade nela encerrada jamais falhará. E o fundamento dessa Igreja é Cristo, pois foi Ele quem fundou a Igreja e deu a Pedro a guarda do rebanho. “[O ministério de Cristo] não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como agora foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito” (Ef III, 5); “[do Evangelho] fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus, a mim concedida, segundo a força operante do seu poder” (Ef III, 7); “A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios (...), para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida agora dos principados e potestades nos lugares celestiais” (Ef III, 8; 10). “E o que de minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir outros” (II Tm II, 2). Paulo era Bispo, e escreveu as cartas a Timóteo, que também era Bispo, para que este aprendesse a cumprir bem a sua missão. Aqui ele descreve o que deve fazer para se escolher bons presbíteros para a Igreja, a fim de que eles também ensinem: “E, em tempo devidos, manifestou a sua palavra mediante a pregação que me foi confiada por mandato de Deus, nosso Salvador” (Tt I, 3).

O que concluímos—com dezenas de trechos bíblicos a nosso favor—é que Cristo criou a Igreja para transmitir os seus dons do Espírito, ensinar a Verdade e anunciar a salvação a todos os povos. E somente quem recebe os apóstolos está recebendo a Cristo. Todo aquele que faz algo por si próprio não está fazendo em nome de Cristo.

4) Prefigurações da Igreja

“A glória de Deus é ocultar as coisas, e a glória dos reis é pesquisá-las” (Pr XXV, 2). Deus muitas vezes fala por meio de uma linguagem difícil e simbólica na Escritura, para que o homem aprenda que nenhuma profecia é de interpretação particular (cf. II Pd I, 20-21), e para que nos atenhamos mais ao sentido espiritual, e não tanto à letra. Cristo falava por meio de parábolas para esconder dos orgulhosos o verdadeiro significado dos ensinamentos, e para revelá-lo aos humildes de coração. Nem a todos é dado o direito de conhecer toda a verdade. Aos apóstolos é dado saber toda a verdade para que saibam ensiná-la: “Os discípulos aproximaram-se, e perguntaram a Jesus: Por que usas parábolas para falar com eles? Jesus respondeu: Porque a vocês foi dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não” (Mt XIII, 10-11). Por isso, devemos buscar o sentido espiritual nas Escrituras, e nos ater menos à letra e à leitura particular. Nem todos os que lêem, entendem. Por isso os apóstolos receberam o ensinamento de toda a verdade para que, sabendo também ensiná-la, evitassem o juízo particular e até mesmo a confusão dos fiéis.

No Antigo Testamento, todas as coisas eram um espelho do que viria. O Novo Testamento foi realizado por figuras e alegorias na Antiga Aliança. Se Cristo ia ser imolado pelos pecados, o cordeiro da páscoa e todos os rituais do Templo serviam para aviventar a Fé do povo na esperança do verdadeiro Cordeiro. O mesmo se dá com a Igreja, pois muitas são as prefigurações da sua existência.

A primeira delas é entre “Adão e Eva” e “Cristo e a Igreja”. Adão foi a primeira criatura humana de Deus, assim como Jesus foi o primeiro e único que estava com Deus desde todo o sempre, sendo a Segunda Pessoa da Trindade Santa. Adão foi feito senhor de toda a terra, assim como a Cristo foi dado o domínio sobre o mundo. Adão caiu num sono profundo, assim como Cristo caiu num sono profundo de sua morte na Cruz. De uma costela de Adão saiu Eva, a sua única esposa. De uma costela aberta de Cristo, no momento de sua morte, nasceu a Igreja, que é única. Enquanto Cristo estava vivo, era ele quem pastoreava o rebanho; mas no momento de sua morte, já estava consumada a missão dEle, por isso, o pastoreio da Igreja passou a Pedro e a Igreja nascia naquele instante, assim como Eva nasceu do sono profundo de Adão. De uma das doze costelas de Adão nasceu Eva. De um dos doze apóstolos de Cristo nasceu a Igreja. Adão só teve Eva como esposa. Cristo só teve uma Igreja como esposa: a Igreja católica, que Ele mesmo fundou.

A segunda prefiguração é a da arca de Noé. Somente foi salvo do dilúvio quem estava dentro da arca. Quanto mais subia a água, mas a arca se elevava, assim como quanto mais provações a Igreja sofre, mais ela se aproxima de Deus no seu sofrimento. Só se salva do dilúvio do pecado quem está a salvo dentro da arca de Noé. A água agitada do mar é símbolo do pecado. Por isso quis Deus fazer de Pedro um “pescador de homens”, isto é, para tirar os homens do pecado. Os peixes vivem no mar, e não cantam a glória de Deus pois são mudos. As aves, no entanto, vivem nos céus, e cantam a glória de Deus. Por isso, a vida dos pagãos é representada como sendo no mar. O mar é símbolo do pecado e do paganismo. A arca que se eleva sobre a água é a Igreja que triunfa sobre o paganismo e salva aqueles que estão dentro dela, e só dela. Não houve duas arcas, somente uma, assim como só há uma Igreja.

A terceira prefiguração está no patriarca Abraão. Abraão chamava-se Abrão. Foi Deus quem mudou seu nome para Abraão, o que significa “pai de uma grande nação”. Na Antigüidade, o nome possuia um valor especial, pois significava a vida da pessoa, a sua missão. Um guerreiro não revelava seu nome aos inimigos para que, sabendo o seu significado soubessem como destruí-lo. Naquela época, o nome queria dizer quem a pessoa era. Mudar o nome era mudar o rumo desta pessoa.

Deus mudou o nome de Abraão pois quis fazer dele o pai de uma grande nação. Ele seria o pai de um grande povo, por meio do qual viria a salvação. Ora, no Antigo Testamento, todas as prefigurações são fatos materiais de acontecimentos espirituais vindouros. Do mesmo modo, a circuncisão na carne é prefiguração da circuncisão no espírito: o batismo.

A mudança de nome de Abraão faz com que ele se torne pai de um grande povo, a sua descendência. Pedro, no entanto, chamava-se Simão. Era este o seu nome. Foi Cristo que passou a chamá-lo de Pedra. Ao mudar o nome de Simão, Jesus quis dizer que estava mudando o rumo de sua vida. E se Abraão foi Pai de uma grande nação e descendência; Pedro foi pai espiritual de um grande povo, a descendência do sangue redentor de Cristo: a Igreja.

Muito raramente Deus mudou o nome de alguém em toda a história da salvação. E se o fez, era para indicar uma mudança de rumos na vida do seu servo. Se Cristo mudou o nome de Pedro, assim como mudou o nome de Abraão, foi para fazê-lo pai de uma grande descendência.

Prosseguindo: em Cântico dos cânticos (III, 3-4) assim se lê: “Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade: 'vocês viram o amado da minha alma?' Passando por eles, contudo, encontrei o amado da minha alma”. Esta passagem é claríssima. A esposa, na linguagem bíblia, representa a Igreja. Os guardas são os ministros de Cristo, que rondam a cidade (o mundo), anunciando o Evangelho. A esposa (Igreja) só encontra o amado (Cristo) quando passa pelos guarda (ministros). São eles que nos trazem Cristo por meio do ensinamento. Ainda em Cânticos se lê: “uma só é a minha pomba sem defeito, ama só a preferida pela mãe que a gerou” (VI, 9). A pomba sem defeito é a Igreja, que é santa, apesar de seus membros poderem ter pecado. A Igreja é santa porque foi fundada por Jesus, porque a doutrina que ela ensina é santa e porque quem a vivifica é o Espírito Santo.

No próprio Novo Testamento se percebe o anúncio da Igreja: “Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, mas a casa não caiu, porque fora construída sobre a rocha” (Mt VII, 24-25). E se Cristo mudou o nome de Simão para Pedro (Rocha) e fez sobre ele a Igreja, o homem prudente é o próprio Cristo, pois Ele é a própria Sabedoria de Deus. Outra prefiguração semelhante é esta: “Então Pedro disse a Jesus: Senhor, estás contando essa parábola só para nós ou para todos? E o Senhor respondeu: Quem é o administrador fiel e prudente, que o senhor coloca-o à frente do pessoal de sua casa, para dar à comida a todos na hora certa?” (Lc XII, 41-42). Ora, é a Pedro que Jesus confiou a administração de sua casa enquanto o próprio Senhor está fora. E são os apóstolos que devem dar de comer ao povo, pois foram eles que receberam a Cristo, Pão vivo descido dos Céus, para alimentar o espírito dos filhos famintos.


"Tu es Petrus et super hanc petram
ædificabo Ecclesiam meam et
portæ inferi non prævalebunt
adversus eam". (Matthæus. XVI, 18)

Outros fatos interessantes no Novo Testamento é que, quando em Cafarnaum, Cristo só se hospedava na casa de Pedro. Desde muito cedo os padres estudiosos da Bíblia perceberam ali uma prefiguração: fora da cada de Pedro não se acha Cristo. Também Cristo só subia na barca de Pedro; e fora desta barca não há Cristo, assim como fora da arca de Noé ninguém se salvou.

Aproximando-se o momento da morte de Jesus, Ele afirma a seus apóstolos: “e quem não tiver espada, venda o manto para comprar uma. (...) Eles disseram: Senhor, aqui estão duas espadas. Jesus respondeu: É o bastante!” (Lc XXII, 36; 38). Quando Cristo foi encontrado por aqueles que queriam prendê-lo, assim se lê: “Simão Pedro tinha uma espada. Desembainhou a espada e feriu o empregado do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. (...) Mas Jesus disse a Pedro: Guarde a espada na bainha (...)” (Jo XVIII, 10-11). Quando a Escritura diz que Cristo fundou a Igreja em Pedro, diz também que ele recebeu as Chaves do Reino do Céu, o que simboliza a plenitude do poder espiritual e temporal. Do mesmo modo, quando os apóstolos dizem ter “duas espadas”, está ali simbolizado a plenitude do poder espiritual e temporal que estava com eles. Mas Cristo ainda estando na terra, o poder ainda era exercido por Ele. Somente quando Cristo cumprisse a sua missão os apóstolos poderiam assumir a autoridade, pois estando Jesus sobre a terra, era Ele o Chefe (Visível) da Igreja. Por isso Cristo proíbe Pedro de usar a espada, o que é uma figura: por enquanto Pedro não pode usar de sua espada (poder) porque Cristo ainda não lhe tinha entregue o pastoreio do rebanho.

Estas figuras de linguagem, que demonstram a intenção de Deus em criar a Igreja, deixam muito claro a veracidade da fundação da Igreja católica.


5) Conclusão

Cristo criou a Igreja para que ela ensinasse a verdade, combatesse o erro e transmitisse os dons da graça a todos. Somente na Igreja temos a certeza de que o poder vem de Deus, e não procede de nenhum homem. A palavra Igreja quer dizer “assembléia”, no grego. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, a sociedade visível que une os batizados na mesma Fé em Deus e na obediência da mesma autoridade. Esta assembléia foi querida por Jesus para dilatar a Fé sobre o mundo: um magistério divinamente criado para ensinar a Verdade infalível, revelada sobrenaturalmente e fielmente guardada na Igreja.

Mas como ter certeza que justamente a Igreja católica é a Igreja fundada por Cristo?

A palavra “católico” vem do grego, significando “universal”. Com a vinda de Cristo, já não é mais a nação dos judeus quem guarda a verdade, pois a Redenção supera a Aliança provisória por meio da Nova e Eterna Aliança, na qual nos tornamos filhos adotivos de Deus pelo batismo. E esta Aliança Nova e Eterna faz da Igreja a Esposa de Cristo. Esta Igreja, portanto, não pode ter nascido de mãos humanas. Só pode ser, então, a Igreja católica.

Quem usou a palavra católico, pela primeira vez, para designar a Igreja de Cristo foi Santo Inácio de Antioquia, discípulo de São Pedro, no século II. A Igreja é Apostólica porque sua origem vem da autoridade dada por Cristo aos apóstolos. É Romana porque sua Sede está em Roma, a capital dos pecados que se tornou a Sede da Igreja de Deus. Se Deus é capaz de fazer das pedras filhos de Abraão, também é capaz de fazer do centro do paganismo o centro da difusão da Fé verdadeira, pois Deus permite um mal para dele tirar um bem. E também é Romana porque São Pedro foi Bispo em Roma, segundo uma tradição antiqüíssima na Igreja. Uma só é a Igreja de Cristo, que foi fundada por Ele, e existirá enquanto houver a humanidade, sendo invencível.

Todo aquele que sabe ser a Igreja católica a Igreja de Cristo deve buscar a conversão e tornar-se católico. Aqueles que morrem sem ter consciência da Igreja católica morrem em inocência e não são culpados. Se alguém é de outra religião e vive na observância dessa religião, acreditando estar nela fazendo a verdade, se salva do mesmo jeito, pois agiu conforme a consciência, sem ter noção da Verdade objetiva. É assim que Deus salva aqueles que nunca ouviram falar de Cristo. Salvam-se os não-católicos que estão em “ignorância invencível”, isto é, sem nenhum meio de saber que a Igreja é absolutamente necessária para a salvação, pois por ela Cristo nos congrega como filhos seus e membros do seu Corpo Místico, que é a própria Igreja, sua Esposa.

Não basta seguir a Bíblia e “aceitar Jesus”. Quem segue a Bíblia por conta própria ignora o sentido que quis Deus usar na Escritura e se fia na própria razão. “Confie em Deus de todo o seu coração e não se fie em sua própria inteligência” (Pr III, 5). E quem pensa que aceitando Jesus simplesmente já garante o Céu, na verdade está desejando o inferno. Os demônios não são ateus. Todos eles crêem que Jesus é Deus e que é Senhor de tudo; por isso, não basta crer. “Então eles gritaram [os demônios]: Que é que há entre nós, Filho de Deus? Viestes aqui para nos atormentar antes do tempo?” (Mt VIII, 29); “O que queres de nós, Jesus Nazareno? Viestes para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!” (Lc IV, 34). Crer em Deus não basta, pois nem todo aquele que diz “Senhor, Senhor!” entrará no Reino, mas aquele que pratica a Verdade, encontrada somente na Igreja: “Você acredita que existe um só Deus? Muito bem! Só que os demônios também acreditam, e tremem! Insensato, quer ver como a fé sem as obras não tem valor?” (Tg II, 19-20). Não basta crer em Jesus, é preciso andar nos caminhos dEle, fazendo e praticando a sua vontade. Só pela Igreja teremos uma vida plena de filhos de Deus, conhecendo-O vrdadeiramente e praticando corretamente a sua vontade, pois pela Igreja os guardas guiaram a Amada ao Amado em Cântico dos cânticos. Somente ficando unido a Cristo é que teremos salvação (cf. Jo XV, 4-6).

Desde o século XVI não param de fundar igrejas certos homens que se julgam habilitados para tal. Quem faz isso está chamando Cristo de mentiroso.

Jesus prometeu que estaria com a Igreja até o fim dos tempos (cf. Mt XXVIII, 18-20), e que as portas do inferno não prevaleceriam sobre a Igreja (cf. Mt XVI, 18-19). Quem acredita que a Igreja católica não é a Igreja de Cristo, acredita que até o século XVI uma falsa Igreja ensinou mentiras, dizendo serem verdades, até que chegasse Lutero e seus seguidores concluindo que estava tudo errado. Se eram mentiras que a Igreja ensinava—por 16 séculos—, onde estava a promessa de que as portas do inferno não prevaleceriam, se elas supostamente prevaleceram durante 16 séculos!? E onde estava Cristo nesse tempo todo, já que prometera estar com a Igreja sempre? Por que a “verdade” só foi aparecer no século 16? Quem está certo: Cristo com a Igreja católica, ou Lutero com seus seguidores?

Alguns afirmam que a Igreja realmente existiu, mas que depois ela foi corrompida pelo paganismo e deixou de ser a Igreja de Cristo, tendo Lutero restaurado a sua pureza original.

Ora, como pôde Cristo prometer que o mal não venceria a Igreja se, supostamente, ela foi vencida pelo paganismo ao absorver as suas práticas e seus deuses? Pelo contrário! A Igreja não se curvou ao paganismo, muito menos misturou a sua doutrina com o politeísmo. Os falsos deuses foram vencidos, pois em cada lugar onde a Igreja chegou as estátuas dos deuses foram destruídas e os templos foram fechados. Os sacerdotes, sem espaço na Europa e no norte da África, foram para o Oriente, influenciando o Islamismo no misticismo. Basta um pouco de conhecimento histórico e fica muito claro a diferença absurda entre a doutrina pagã e a verdade católica.

Outros, porém, dizem que Cristo nunca fundou Igreja nenhuma, e de que a Igreja foi criada em Roma pelo imperador Constantino.

Em primeiro lugar, a palavra Católica já era usada como atributo (qualidade) da Igreja desde o século II, enquanto Constantino é do século IV. Para se acreditar numa mentira dessas, deve-se acreditar também em reencarnação, para que Constantino tivesse fundado a Igreja antes mesmo de nascer! Em segundo lugar, Constantino só se converteu próximo da morte, pois ele mesmo tinha dúvidas da Fé católica. Quem funda algo deve ser o primeiro a aprovar, pois o exemplo do fundador arrastaria uma multidão.

Em terceiro, se a Igreja fosse fundada em Roma, com o passar dos séculos haveriam duas crenças bem distintas: a verdadeira, que permaneceu fiel ao ensinamento de Jesus e a falsa, criada em Roma por Constantino. Mas, pelo contrário, a Fé católica permaneceu a mesma em toda a Europa, África e Ásia. Em todo o lugar se cria nas mesmas coisas. Se em Roma a Fé foi falsificada, os cristãos deveriam combater os católicos de Roma, coisa que nunca aconteceu. A unidade da Fé é a prova de que o Espírito Santo guia a Igreja.

Uma só é a Fé, uma é a Igreja e fora dela não há Cristo, não há salvação. Nenhum Lutero—em pleno século XVI—pode se dar o direito de “reformar” a Igreja de Deus, pois Jesus não criaria algo defeituoso e suscetível ao erro dos homens. E se Cristo prometeu estar com a Igreja todos os dias, por que abandonou seu povo, só lembrando dele 1517 anos depois!? Sejamos coerentes! A verdade é Cristo; e Cristo está na Igreja católica.

O profeta Isaías nos diz que, com a vinda do Messias, os povos pagãos se converteriam. “Nesse dia, a raiz de Jessé se erguerá como bandeira para os povos; para ela correrão as nações, e a sua moradia será gloriosa. Nesse dia, o Senhor tornará a estender a mão para resgatar o resto do seu povo, o que sobrou na Assíria, e no Egito, em Patros e nas ilhas do mar. Ele erguerá um estandarte para as nações, a fim de reunir os israelitas exilados, para juntar os judeus dispersos dos quatro cantos da terra. (...) Haverá uma estrada para o resto do seu povo, para o que sobrar na Assíria, da mesma forma como houve uma estrada para Israel no dia em que saiu da terra do Egito” (Is XI, 10-12; 16). Cristo é a Raiz de Jessé; é a Ele que Isaías se refere. Quando o Messias viesse, as nações se converteriam. Os termos nações, gentes ou gentios se referem aos pagãos. A conversão dos pagãos a Cristo é o fim da Antiga Aliança e o início da Nova, com a fundação da Igreja de Cristo. A profecia diz que a “moradia da Raiz de Jessé será gloriosa”. Ora, que moradia pode ser essa? Onde Cristo resolveu habitar sempre é na casa de Pedro, a Igreja católica, que Ele mesmo fundou. Com a vinda do Messias, os povos pagãos se converteriam à Igreja. “Eles serão chamados de carvalhos da justiça, plantação do Senhor para a sua glória. Eles reconstruirão as ruínas antigas, erguerão novamente em pé os velhos escombros. Renovarão as cidades arruinadas e os escombros de muitas gerações. Estrangeiros se apresentarão para apascentar os rebanhos de vocês; essa gente de fora é que trabalhará para você, puxando a enxada ou cuidando da lavoura de uvas. Vocês serão chamados sacerdotes do Senhor, ministros do nosso Deus.” (Is LXI, 4-6). Aqui mais uma vez se fala da conversão dos pagãos ao Evangelho, inclusive da admissão de gentios nos cuidados da Igreja. Agora, até mesmo aqueles que nasceram nas religiões falsas podem assumir o pastoreio da Igreja de Deus, pois o Batismo e a Ordem podem ser recebidos por todos.

Se a profecia diz que, após a vinda do Messias, os pagãos se converteriam, qual Igreja converteu os pagãos?

A primeira Igreja protestante só surgiu no século XVI, com Lutero. Naquela época, não havia nenhum reino pagão na Europa. Aliás, a conversão de que fala a profecia menciona um retorno à verdadeira Fé logo após a vinda de Cristo, e não 16 séculos depois. Lutero nunca converteu um só pagão, até porque já não havia nenhum.

Quem produziu milhares de conversões foi a Igreja católica, além de gerar 2 milhões de mártires nos circos romanos, já que os cristãos preferiam a morte a renegar a Fé. E foi este sangue que regou muitas almas e produziu muitas conversões pelo testemunho de fidelidade. Do século I ao século XI aconteceram conversões. Nações inteiras foram batizadas: os francos, os eslavos, os visigodos, os germanos, saxões, bretões, etc. No norte da África, na Ásia Menor e em toda a Europa a Igreja se expandiu. Cristo disse aos judeus: “O Reino de Deus será tirado de vocês, e será entregue a uma nação que produzirá seus frutos” (Mt XXI, 43). Foram os pagãos que aceitaram o Evangelho; por isso diz a profecia que haviam grandes conversões, já que são eles a “nação” da qual fala Cristo. E a única Igreja que produziu grandes conversões no paganismo foi a Igreja católica.

O Antigo Testamento também prefigura esta verdade profética. Jacó teve duas esposas: Lia e Raquel. Trabalhou sete anos para seu sogro para se casar com uma, mas este lhe deu a outra. Jacó então trabalhou mais sete anos e casou-se com a outra. Uma era formosa; a outra não. O casamento é símbolo, na Bíblia, da união de Cristo com sua Igreja. Deus primeiro fez um pacto provisório com os judeus (o primeiro casamento de Jacó) para depois se unir plenamente com a Igreja, (segundo casamento). A segunda esposa de Jacó representa os pagãos, já que a verdade de Cristo, ensinada pela Igreja, foi aceita pelos pagãos convertidos.

Com tantas evidências e argumentos, fica provado definitivamente que, não basta aceitar Jesus. É preciso se submeter à única Igreja que Cristo fundou para ensinar a Verdade. Até os demônios aceitam Jesus, pois reconhecem nEle a Filiação divina. É na Igreja que se recebe, por meio dos ministros do altar—o clero—a mesma graça do Espírito Santo que era transmitida dos apóstolos aos fiéis. É pela Igreja que Cristo nos une a Ele, pois ela é seu Corpo Místico, o meio pelo qual estamos agarrados a Ele, sabendo no que devemos crer (o ensino da Fé católica) e o que devemos fazer (a moral, a oração, os sacramentos).

Deus quer salvar os homens pelos homens, para evitar usar, em primeira instância, meios extraordinários. Deus quer usar de via humana, para que o homem creia pela Fé, e não por milagres, pois mais feliz é aquele que crê sem ver. E o meio ordinário que Deus usa para distribuir a salvação é a Igreja.

Fonte: http://www.saopiov.org/2009/01/catolicismo-e-protestantismo-i.html#ixzz1RjvgViF6